quinta-feira, 22 de março de 2012


Uma fábula a álcool


Celio Pezza

Era uma vez, um país que disse ter conquistado a independência energética com o uso do álcool feito a partir da cana de açúcar.

Seu presidente falou ao mundo todo sobre a sua conquista e foi muito aplaudido por todos.

Na época, este país lendário começou a exportar álcool até para outros países mais desenvolvidos.

Alguns anos se passaram e este mesmo país assombrou novamente o mundo quando anunciou que tinha tanto petróleo que seria um dos maiores produtores do mundo e seu futuro como exportador estava garantido.

A cada discurso de seu presidente, os aplausos eram tantos que confundiram a capacidade de pensar de seu povo.

O tempo foi passando e o mundo colocou algumas barreiras para evitar que o grande produtor invadisse seu mercado. Ao mesmo tempo adotaram uma política de comprar as usinas do lendário país, para serem os donos do negócio.

Em 2011, o fabuloso país grande produtor de combustíveis, apesar dos alardes publicitários e dos discursos inflamados de seus governantes, começou a importar álcool e gasolina.

Primeiro começou com o álcool, e já importou mais de 400 milhões de litros e deve trazer de fora neste ano um recorde de 1,5 bilhão de litros, segundo o presidente de sua maior empresa do setor, chamada Petrobras Biocombustíveis. Como o álcool do exterior é inferior, um órgão chamado ANP (Agência Nacional do Petróleo) mudou a especificação do álcool, aumentando de 0,4% para 1,0% a quantidade da água, para permitir a importação. Ao mesmo tempo, este país exporta o álcool de boa qualidade a um preço mais baixo, para honrar contratos firmados.

Como o álcool começou a ser matéria rara, foi mudada a quantidade de álcool adicionada à gasolina, de 25% para 20%, o que fez com que a grande empresa produtora de gasolina deste país precisasse importar gasolina, para não faltar no mercado interno.

Da mesma forma, ela exporta gasolina mais barata e compra mais cara, por força de contratos.

A fábula conta ainda que grandes empresas estrangeiras, como a BP (British Petroleum), compraram no último ano várias grandes usinas produtoras de álcool neste país imaginário, como a Companhia Nacional de Álcool e Açúcar, e já são donas de 25% do setor.

A verdade é que hoje este país exótico exporta o álcool e a gasolina a preços baixos, importa a preços altos um produto inferior, e seu povo paga por estes produtos um dos mais altos preços do mundo.

Infelizmente esta fábula é real e o país onde estas coisas irreais acontecem chama-se Brasil.

CELIO PEZZA é escritor do Jornal O GLOBO.

ESSA "FÁBULA" É VERDADEIRA.  (pagamos com nosso dinheiro)

sexta-feira, 9 de março de 2012


Qual é o Problema?

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Um dos maiores choques de minha vida foi na noite anterior ao meu primeiro dia de pós-graduação em administração.
Havia sido um dos quatro brasileiros escolhidos naquele ano, e todos nós acreditávamos, ingenuamente, que o difícil fora ter entrado em Harvard, e que o mestrado em si seria sopa.
Ledo engano.
Tínhamos de resolver naquela noite três estudos de caso de oitenta páginas cada um.
O estudo de caso era uma novidade para mim.
Lá não há aulas de inauguração, na qual o professor diz quem ele é e o que ensinará durante o ano, matando assim o primeiro dia de aula.
Essas informações podem ser dadas antes.
Aliás, a carta em que me avisaram que fora aceito como aluno veio acompanhada de dois livros para ser lidos antes do início das aulas.
O primeiro caso a ser resolvido naquela noite era de marketing, em que a empresa gastava boas somas em propaganda, mas as vendas caíam ano após ano.
Havia comentários detalhados de cada diretor da companhia, um culpando o outro, e o caso terminava com uma análise do presidente sobre a situação.
O caso terminava ali, e ponto final.
Foi quando percebi que estava faltando algo.
Algo que nunca tinha me ocorrido nos dezoito anos de estudos no Brasil.
Não havia nenhuma pergunta do professor a responder.
O que nós teríamos de fazer com aquele amontoado de palavras?
Eu, como meus outros colegas brasileiros, esperava perguntas do tipo "Deve o presidente mudar de agência de propaganda ou demitir seu diretor de marketing?"
Afinal, estávamos todos acostumados com testes de vestibular e perguntas do tipo "Quem descobriu o Brasil?".
Harvard queria justamente o contrário.
Queria que nós descobríssemos as perguntas que precisam ser respondidas ao longo da vida.
Uma reviravolta e tanto. Eu estava acostumado a professores que insistiam em que decorássemos as perguntas que provavelmente iriam cair no vestibular.
Adorei esse novo método de ensino, e quando voltei para dar aulas na Universidade de São Paulo, trinta anos atrás, acabei implantando o método de estudo de casos em minhas aulas.
Para minha surpresa, a reação da classe foi a pior possível.
"Professor, qual é a pergunta?", perguntavam-me.
E, quando eu respondia que essa era justamente a primeira pergunta a que teriam de responder, a revolta era geral:
"Como vamos resolver uma questão que não foi sequer formulada?".
Temos um ensino no Brasil voltado para perguntas prontas e definidas, por uma razão muito simples: é mais fácil para o aluno e também para o professor.
O professor é visto como um sábio, um intelectual, alguém que tem solução para tudo. E com o tempo os alunos acreditam.
E os alunos, por comodismo, querem ter as perguntas feitas, como no vestibular.
Nossos alunos estão sendo levados a uma falsa consciência, o mito de que todas as questões do mundo já foram formuladas e solucionadas.
O objetivo das aulas passa a ser apresentá-las, e a obrigação dos alunos é repeti-las na prova final.
Em seu primeiro dia de trabalho você vai descobrir que seu patrão não lhe perguntará quem descobriu o Brasil e não lhe pagará um salário por isso no fim do mês.
Nem vai lhe pedir para resolver "4/2 = ?". Em toda a minha vida profissional nunca encontrei um quadrado perfeito, muito menos uma divisão perfeita, os números da vida sempre terminam com longas casas decimais.
Seu patrão vai querer saber de você quais são os problemas que precisam ser resolvidos em sua área. Bons administradores são aqueles que fazem as melhores perguntas, e não os que repetem suas melhores aulas.
Uma famosa professora de filosofia me disse recentemente que não existem mais perguntas a ser feitas, depois de Aristóteles e Platão.
Talvez por isso não encontramos solução para os inúmeros problemas brasileiros de hoje.
O maior erro que se pode cometer na vida é procurar soluções certas para os problemas errados.
Em minha experiência e na da maioria das pessoas que trabalham no dia-a-dia, uma vez definido qual é o verdadeiro problema, o que não é fácil, a solução não demora muito a ser encontrada.
Se você pretende ser útil na vida, aprenda a fazer boas perguntas mais do que sair arrogantemente ditando respostas. Se você ainda é um estudante, lembre-se de que não são as respostas que são importantes na vida, são as perguntas.
Stephen Kanitz é administrador por Harvard (www.kanitz.com.br)
Editora Abril, Revista Veja, edição 1898, ano 38, nº 13, 30 de março de 2005, página 18